Os moradores da Grande São Paulo estão enfrentando dificuldades para conseguir medicamentos em Farmácias de Alto Custo da região. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES-SP), o problema é resultado do envio irregular dos remédios por parte do Ministério da Saúde.
Até maio, as três unidades administradas pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), organização de saúde contratada pelo governo de São Paulo, tiveram, em média, uma queda de 35,3% na quantidade de medicamentos disponíveis para o público cadastrado, prejudicando pacientes na capital e em Guarulhos.
Um deles é o analista de marketing digital Diego Costa, de 30 anos, que foi diagnosticado no início do ano com Espondilite Anquilosante, uma doença inflamatória crônica que acomete a coluna vertebral e provoca fortes dores no paciente.
Para ter qualidade de vida, o rapaz faz uso de duas medicações, uma em comprimidos, a Sulfassalazina, e uma injetável, o Certolizumabe Pegol. Em fevereiro, quando começou o tratamento, Diego conseguiu pegar as duas medicações na Farmácia de Alto Custo (FAC) de Guarulhos. Porém, nos meses seguintes isso não se repetiu.
Ao todo, o analista precisou desembolsar cerca de R$ 600 para continuar o tratamento com os comprimidos no período de março a maio. Em junho, quando conseguiu retirar a Sulfassalazina pela FAC, o que havia entrado em falta era a medicação injetável, que custa, em média, R$3 mil por mês.
“Por muita sorte, eu consegui essa medicação através da doação de uma moça que está grávida e não pode fazer o uso”, contou Diego. “Eu fui até Santos retirar, só que moro em Guarulhos, então foi uma viagem de 4 horas somente para pegar o remédio”.
De acordo com Dr. Percival Sampaio Barros, reumatologista do Hospital Sírio-Libanês, se pacientes que começaram o tratamento há pouco tempo, como Diego Costa, ficarem sem os medicamentos por um longo período (semanas ou meses) podem ter uma reincidência da doença.
“É uma doença crônica, que vai precisar de um tratamento por longo tempo. Então, você começa a tratar o paciente, ele melhora e aí, dentro de problemas financeiros, que são passíveis de ocorrer, ainda mais com todos os custos dessa pandemia, pode faltar alguma medicação durante um tempo, e isso pode fazer a doença voltar e o paciente realmente sofrer com as consequências”, disse o reumatologista.
O analista de marketing digital relatou que, em uma conversa informal, funcionários da FAC Guarulhos teriam dito que uma outra medicação injetável, chamada Adalimumabe, estaria em falta. Com isso, o Certolizumabe Pegol estaria sendo utilizado para suprimir essa outra demanda, o que teria levado à queda na oferta do medicamento utilizado pelo rapaz.
Certolizumabe Pegol, injeções utilizadas para gerenciar o processo inflamatório da Espondilite Anquilosante — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde confirmou que o Adalimumabe está em falta e disse que o Ministério da Saúde, responsável pela aquisição do medicamento, não o enviou no segundo trimestre deste ano. A remessa referente ao período de julho a setembro, que deveria ter sido entregue até 20 de junho, também não teria chegado.
Impacto da pandemia
No caso da professora de escola pública Ana Rita Gomes, de 47 anos, que está na 30ª semana de gravidez, a pandemia de Covid-19 impactou diretamente em seu tratamento.
Após os médicos descobrirem que Ana teve suas gestações anteriores interrompidas por episódios de trombose, formação de coágulos no sangue que dificultam a circulação nos vasos sanguíneos, ela começou a fazer uso de um anticoagulante para poder realizar um novo tratamento para engravidar.
Contudo, os altos índices de internação pela Covid-19 refletiram no aumento da demanda por Enoxaparina Sódica, o remédio utilizado por Ana Rita, que deixou de ser encontrando tanto nas Farmácias de Alto Custo, quanto em farmácias privadas.
“A grande questão é que a Enoxaparina também é utilizada no tratamento das formas graves de Covid. Então, o universo de pessoas que estão utilizando o remédio aumentou muito”, explica o Dr. Mario Macoto Kondo, chefe de obstetrícia do Grupo Santa Joana. “São homens e mulheres acometidos pela Covid, internados, que estão recebendo essa medicação por, no mínimo, duas semanas. Isso tem causado um transtorno enorme”.
Em maio, a professora chegou a fazer até empréstimo bancário para conseguir comprar o medicamento, que deve seguir utilizando até o fim do puerpério (período de 45 dias pós-parto), na única farmácia em que o encontrou.
“O tipo de heparina (anticoagulante) que ela usa necessita pouco controle clínico e poucos exames laboratoriais. Se você mudar o tipo, pode ser necessário o controle laboratorial, e aí as questões vão se complicando, ainda mais em época de pandemia”, explica o obstetra.
No 7º mês de gestação, a maior preocupação de Ana Rita é que seu bebê se desenvolva de forma segura e saudável. Para isso, precisa manter o uso do remédio.
Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, a Enoxaparina Sódica é outra medicação que não foi entregue nas remessas de medicamentos do Ministério da Saúde relativas ao segundo e terceiro trimestres deste ano.
A Secretaria Estadual de Saúde, a Farmácia de Alto Custo na qual a professora está cadastrada entrou em contato para informá-la que o anticoagulante injetável que utiliza está disponível na unidade e já pode ser retirado.
Órgãos responsáveis
Os Componentes Especializados de Assistência Farmacêutica, popularmente conhecidos como Farmácias de Alto Custo (FAC) são de responsabilidade dos governos estaduais e seguem a Política Nacional de Medicamentos, que tem os mesmos princípios do Sistema Único de Saúde, só que voltada para a cobertura farmacológica.
A aquisição dos medicamentos fica sob responsabilidade do Ministério da Saúde (MS) ou das Secretarias Estaduais de Saúde (SES), dependendo do grupo de financiamento ao qual pertencem.
Os remédios de alto custo classificados como “1A” são comprados e distribuídos pelo MS, conforme as demandas das secretarias estaduais. Já os que são colocados como “1B” ou “2” ficam a cargo das próprias SES.
As gestões municipais de São Paulo e Guarulhos disseram não ter envolvimento com as Farmácias de Alto Custo.
Nota da Secretaria Estadual de Saúde
“Os três remédios sobre responsabilidade do Estado estão disponíveis nas farmácias (Atorvastatina 20mg, Ciclosporina 50ml e Sulfassalazina). Infelizmente, isto não ocorre com todos os oito medicamentos de responsabilidade do Ministério da Saúde mencionados pela reportagem, pois têm sido enviados de forma irregular ao Estado de São Paulo, apesar das constantes cobranças ao governo federal. Sequer houve envio de remessas dos remédios Adalimumabe 40mg e Enoxaparina sódica 40mg para atendimento aos pacientes no decorrer do segundo trimestre, nem chegada referente ao 3º trimestre, o que deveria ter ocorrido até 20 de junho segundo a própria normativa do Ministério da Saúde.
O Leflunomida 20mg e Certolizumabe pegol 200mg foram entregues neste mês, após consequentes envios parciais anteriormente, o que prejudica a logística de abastecimento e o fornecimento ao paciente, prejudicando seu tratamento. Nestas situações, a Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (CAF) busca remanejamentos entre unidades, o que está ocorrendo em relação à Enoxaparina sódica 40mg, para a Sra. Ana Rita Gomes. Esta estratégia foi adotada já em maio para a mesma paciente, pois a última entrega do Governo Federal deste item ocorreu em março, sem quantitativos posteriores.
Além desta interlocução entre unidades, há também orientação para que os pacientes consultem seus médicos quanto à possibilidade de prescrição de outros medicamentos previstos em protocolo quando se identifica ausência do remédio já utilizado.
Protocolos na pandemia
Durante a pandemia, as Farmácias de Medicamentos Especializados (FME), popularmente conhecidas como “de alto custo”, do Estado de São Paulo, têm seguido recomendações para a prevenção ao COVID-19, com foco na redução de deslocamento dos pacientes. Novas estratégias criadas possibilitaram a redução o número de atendimentos presenciais nas unidades, contribuindo para a prevenção e maior segurança para profissionais, pacientes e familiares.
Algumas medidas foram criadas para reduzir a quantidade de retorno dos pacientes às unidades, como a liberação de medicamentos de uso contínuo em quantidade suficiente para períodos de até três meses – antes da pandemia o intervalo de retorno era de 30 dias; antecipação da entrega do medicamento; autorização da renovação da continuidade do tratamento de forma automática, entre outras.”