Algumas polineuropatias (p. ex., decorrentes de intoxicação por chumbo, uso de dapsona, picada de carrapato, porfiria ou síndrome de Guillain-Barré) afetam primariamente as fibras motoras; outras (p. ex., decorrentes de ganglionite da raiz dorsal por câncer, hanseníase, aids, diabetes mellitus ou intoxicação crônica por piridoxina) afetam principalmente as fibras sensoriais. Algumas doenças (p. ex., síndrome de Guillain-Barré, doença de Lyme, diabetes, difteria) também podem afetar os nervos cranianos. Certos fármacos e toxinas podem atingir as fibras sensitivas, motoras ou ambas.
Sinais e sintomas
Os sintomas da polineuropatia podem aparecer de repente ou se desenvolvem lentamente e tornam-se crônicos, dependendo da causa. Como a fisiopatologia e os sintomas estão relacionados, polineuropatias muitas vezes são classificadas por área de disfunção:
- Mielina
- Vasa nervorum
- Axônio
- Polineuropatias podem ser adquiridas ou hereditárias.
Disfunção de mielina
As neuropatias por disfunção da mielina (desmielinizantes) resultam mais frequentemente de uma resposta imunitária para infecciosa desencadeada por uma bactéria encapsulada (p. ex., Campylobacter sp), vírus (p. ex., vírus entérico, influenza, HIV) ou vacinas (p. ex., vacina contra influenza). Presumivelmente, os antígenos nesses agentes apresentam reação cruzada com antígenos no sistema nervoso periférico, causando uma resposta imunitária (celular, humoral ou ambas) que culmina com vários graus de disfunção da mielina.
Nos casos agudos (p. ex., na síndrome de Guillain-Barré), podem ocorrer fraqueza rapidamente progressiva e insuficiência respiratória. Na polineuropatia crônica inflamatória desmielinizante crônica (PDIC), os sintomas podem recidivar ou progredir em meses e anos.
A disfunção da mielina geralmente resulta em distúrbios das fibras sensoriais grossas (parestesias), fraqueza muscular significativa superior à esperada pelo grau de atrofia e diminuição significativa dos reflexos. A musculatura do tronco e os nervos cranianos podem ser envolvidos. A desmielinização ocorre geralmente na extensão completa do nervo, produzindo sintomas distais e proximais. Podem ocorrer assimetrias de lado a lado e as porções superiores do corpo podem ser afetadas antes das porções distais ou vice-versa. A massa e o tônus muscular são relativamente preservados.
Comprometimento do vasa nervorum
Isquemia crônica por aterosclerose, vasculites, infecções e estados hipercoaguláveis podem comprometer o suprimento vascular para os nervos, causando infarto do nervo.Em geral, ocorre primeiro a disfunção das fibras sensoriais finas e motoras. Frequentemente, os pacientes costumam ter distúrbios sensoriais dolorosos e queimação. Há deficiência de sensibilidade térmica e dolorosa.Envolvimento vasa nervorum (por exemplo causado por vasculite ou infecções) pode começar como mononeuropatias múltiplas que, quando afetam muitos nervos bilateralmente, pode se parecer com polineuropatia.
As anormalidades tendem a ser assimétricas e precoces na doença e raramente afetam o terço proximal do membro ou músculos do tronco. O envolvimento dos nervos cranianos é raro, exceto em diabetes, em que geralmente o III nervo craniano (oculomotor) é afetado. Mais tarde, se as lesões coalescerem, os sinais e sintomas podem parecer simétricos.
Ocasionalmente, ocorrem disautonomia e alterações da pele (pele atrófica, brilhante).
A fraqueza muscular tende a ser proporcional à atrofia e os reflexos raramente se perdem por completo.
Axonopatia
As axonopatias tendem a ser distais; podem ser simétricas ou assimétricas.
As axonopatias simétricas resultam com mais frequência de doenças tóxico-metabólicas. As causas comuns incluem:
- Diabetes melito
- Insuficiência renal crônica
- Efeitos adversos de fármacos quimioterápicos (p. ex., alcaloides da vinca)
Portanto a axonopatia pode decorrer de deficiências nutricionais (com mais frequência de tiamina, vitamina B6, vitamina B12 ou vitamina E) ou do ingestão excessiva de vitamina B6 ou de bebidas alcoólicas. As causas metabólicas menos comuns são: hipotireoidismo, porfiria, sarcoidose e amiloidose. Outras causas incluem certas infecções (p. ex., doença de Lyme), fármacos (p. ex., óxido nítrico) e exposição a certos agentes químicos (p. ex., agente laranja, n-hexano) ou metais pesados (p. ex., chumbo, arsênico, mercúrio).
Na síndrome paraneoplásica, associada a carcinoma de pequenas células pulmonares, a perda das raízes dos gânglios dorsais e de seus axônios sensitivos resulta em neuropatia sensorial subaguda.
A disfunção axônica primária pode se iniciar com sintomas de disfunção de fibras finas, grossas ou ambas. Em geral, a neuropatia resultante apresenta distribuição distal simétrica em luva e meia; afeta de modo uniforme as extremidades inferiores antes das superiores e progride simetricamente das áreas distais para as proximais.
A axonopatia assimétrica pode resultar de doenças vasculares ou para infecciosas.
Diagnóstico
Exames eletrodiagnósticos
Exames laboratoriais, determinados pelo tipo de neuropatia suspeito.
As polineuropatias são suspeitadas em pacientes com déficits sensoriais difusos ou multifocais. Entretanto, se os resultados são relativamente difusos, mas começaram de forma assimétrica, a causa pode ser mononeuropatia múltipla.
Dicas e conselhos
As neuropatias assimétricas sugerem doenças que afetam a bainha de mielina ou os vasa nervorum.
Neuropatias simétricas e distais sugerem causas tóxicas e metabólicas.
E as neuropatias crônicas, lentamente progressivas, tendem a ser hereditárias ou decorrentes de exposição prolongada a tóxicos ou doenças metabólicas.
Neuropatias agudas sugerem uma causa autoimune, vasculite, toxina, infecção ou causa pós-infecciosa ou, possivelmente, um fármaco ou câncer.
Exantema, úlceras cutâneas e fenômeno de Raynaud em pacientes com neuropatia axônica assimétrica sugerem estados de hipercoagulabilidade ou vasculites autoimunes ou parainfecciosas.
Perda ponderal, febre, linfadenopatia e presença de massas sugerem tumor ou síndrome paraneoplásica.
Axonopatias devem ser consideradas em todos os pacientes com polineuropatia.
Exames eletrodiagnósticos
Independentemente dos achados clínicos, EMG ou estudos da condução nervosa são necessários para classificar o tipo de neuropatia. No mínimo, EMG de ambas as extremidades inferiores deve ser realizada para determinar a assimetria e a extensão completa da perda axônica.
Como a EMG e os estudos de condução nervosa avaliam principalmente fibras grossas mielinizadas nos segmentos distais dos membros, a EMG pode ser normal em pacientes com disfunção de mielina proximal (p. ex., início da síndrome de Guillain-Barré) e em pacientes com disfunção primária de pequenas fibras. Nesses casos, exames sensoriais quantitativos e/ou testes autonômicos ou biópsia cutânea com punção podem ser realizados, dependendo dos sintomas de apresentação.
Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais de referência para todos os pacientes são:
Hemograma completo
Eletrólitos
Testes de função renal
Teste de reagina plasmática rápida
Um teste de tolerância oral à glicose de 2 h
Dosagem da glicemia de jejum, da HbA1C, da vitamina B12, do ácido fólico e do hormônio estimulante da tireoide.
Outros Exames laboratoriais
Alguns médicos incluem eletroforese de proteínas séricas. A necessidade de outros exames é determinada pelo subtipo de polineuropatia. Quando a EMG e a diferenciação clínica são inconclusivas, são necessários exames para todos os subtipos.
A abordagem aos pacientes com neuropatias com disfunção aguda de mielina é a mesma dos pacientes com síndrome de Guillain-Barré; a capacidade vital forçada é medida para verificar a presença de insuficiência respiratória incipiente. Nas disfunções aguda e crônica de mielina, realizam-se exames para doenças infecciosas e disfunção imunitária, incluindo exames de hepatite e HIV e eletroforese de proteínas do soro.
A punção lombar também deve ser realizada; a disfunção de mielina decorrente de resposta autoimune costuma causar dissociação albuminocitológica: aumento de conteúdo de proteína no LCR (> 45%), mas contagem de leucócitos normal (≤ 5/μl).
Portanto No comprometimento das vasa nervorum e nas polineuropatias axônicas assimétricas, devem ser realizados exames para estados de hipercoagulabilidade ou vasculite parainfecciosa ou autoimune, em particular se sugeridos pelos achados clínicos; o mínimo consiste em:
- VHS
- Eletroforese das proteínas séricas
- Medição do fator reumatoide, anticorpos antinucleares e CK sérica
- A CK pode estar elevada quando o início rápido da doença causa lesão muscular.
Outros exames dependem da causa suspeita:
Os estudos de coagulação (p. ex., proteína C, proteína S, antitrombina III, anticorpo anticardiolipina e concentração de homocisteína) devem ser realizados apenas se o estado de hipercoagulabilidade for sugerido pela história pessoal ou familiar.
Testes para sarcoidose, hepatite C ou granulomatose com poliangiite (anteriormente conhecida como granulomatose de Wegener) devem ser realizados apenas se sugeridos pelos sinais e sintomas dessas doenças.
Se não for identificada a causa, devem-se realizar biópsias do nervo e do músculo.
Mas normalmente faz-se biopsia do nervo sural afetado. Pode-se fazer a biopsia de um músculo adjacente ao nervo sural biopsiado, ou quadríceps, bíceps braquial ou deltoide. O músculo deve apresentar fraqueza moderada que ainda não foi avaliada por EMG com agulha (para evitar a interpretação errônea de artefatos da agulha). A anormalidade é determinada com mais frequência se o músculo contralateral apresentar anormalidades na EMG, particularmente se a neuropatia for um tanto simétrica. As biópsias de nervo tendem a ser mais úteis em axonopatias simétricas e assimétricas, mas são particularmente úteis nas axonopatias assimétricas.
Se os exames iniciais não identificarem a causa das axonopatias distais simétricas, um exame de urina de 24 h é realizado para pesquisa de metais pesados, sendo efetuada a eletroforese de proteínas na urina. Se houver suspeita de intoxicação crônica por metais pesados, o exame de pelos pubianos ou axilares pode ajudar.
A história e o exame físico devem determinar se são necessários exames para identificar outras causas.
Tratamento
Tratamento direcionado para a causa
Cuidados de suporte
Entretanto o tratamento da polineuropatia focaliza a correção das causas quando possível; um fármaco ou toxina podem ser eliminados, ou uma deficiência alimentar pode ser corrigida. Embora essas ações interrompam a progressão e reduzam os sintomas, a recuperação é lenta e pode ser incompleta.
Se não for possível corrigir a causa, o tratamento visa minimizar a incapacidade e a dor. Fisioterapia e terapia ocupacional podem recomendar aparelhos de assistência úteis. Antidepressivos tricíclicos como a amitriptilina ou anticonvulsivos como a gabapentina são úteis para o alívio da dor neuropática (p. ex., pés queimando diabéticos).
Nas polineuropatias com disfunção da mielina, em geral se utilizam tratamentos que modificam o sistema imunitário:
Troca de plasma ou imunoglobulina IV para disfunção aguda de mielina
Troca de plasma ou imunoglobulina IV, corticoides e/ou fármacos antimetabólicos para disfunção crônica de mielina
Fonte: Por Michael Rubin, MDCM, Weill Cornell Medical College traduzido por Momento Saúde
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