Tratamento farmacológico da infecção pelo HIV

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Como as complicações relacionadas à doença podem ocorrer em pacientes não tratados com contagens altas de CD4 e como antirretrovirais menos tóxicos foram desenvolvidos, agora recomenda-se terapia antirretroviral (TARV) para praticamente todos os pacientes.

Os benefícios da TARV superam os riscos em todos os grupos de pacientes e cenários que foram cuidadosamente estudados.

O objetivo da TARV é

  • Reduzir os níveis plasmáticos de RNA do HIV a não detectável (< 20 a 50 cópias/mL)
  • Restaurar a contagem de CD4 a um nível normal (restauração ou reconstituição imunitária)

TARV geralmente pode alcançar seus objetivos se os pacientes tomarem os fármacos > 95% das vezes.

Se o tratamento falhar, métodos para medir a sensibilidade ao fármaco (resistência) determinam a sensibilidade da cepa dominante de HIV a todos os fármacos disponíveis. Testes de genotipagem também podem ser úteis.

Muitos pacientes que vivem com infecção pelo HIV tomam esquemas complexos envolvendo múltiplos comprimidos.

Classes de antirretrovirais

Utilizam-se múltiplas classes de antirretrovirais na TARV . Duas classes inibem a entrada do HIV e as outras inibem uma das 3 enzimas do HIV necessária para que ele se replique dentro das células humanas; 3 classes inibem a transcriptase reversa bloqueando a atividade de DNA polimerase RNA-dependente e DNA-dependente.

  • Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (INTRs) são fosforilados em metabólitos ativos que competem pela incorporação ao DNA viral. Inibem a enzima transcriptase reversa do HIV de forma competitiva e eliminam a síntese das cadeias de DNA.
  • Inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleotídeo (nRTI) inibem a enzima transcriptase reversa da mesma forma que os INTRs, mas não necessitam de fosforilação inicial.
  • Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (INNTRs) ligam-se diretamente à enzima transcriptase reversa.
  • Inibidores da protease (PI) inibem a enzima protease viral, a qual é crucial para a maturação dos variantes do HIV que se segue à saída da célula hospedeira.
  • Inibidores de entrada (EI), algumas vezes denominados inibidores de fusão, interferem com a ligação do HIV aos receptores de linfócitos CD4+ e correceptores de quimiocina; esta ligação é necessária para a entrada do HIV nas células. Por exemplo, os inibidores de CCR-5 bloqueiam o receptor CCR-5.
  • Inibidores pós-ligação se conectam ao receptor de CD4 e evitam que o HIV (que também se liga ao receptor de CD4) entre na célula.
  • Inibidores da integrase impedem a integração do DNA do HIV ao DNA humano.
  • Inibidores de fixação ligam-se diretamente à glicoproteína 120 do envelope viral (gp120), próximo ao local de ligação do CD4+, impedindo a alteração conformacional necessária para a interação inicial entre o vírus e os receptores na superfície das células CD4. Isso evita a ligação, e a subsequente entrada, nos linfócitos T e outras células imunes do hospedeiro.

Esquemas antirretrovirais

Em geral, para suprimir completamente a replicação do HIV tipo selvagem, é necessária a combinação de 2, 3 ou 4 fármacos de diferentes classes. Os fármacos específicos são escolhidos com base no seguinte:

  • Efeitos adversos previstos
  • Simplicidade do esquema
  • Doenças concomitantes (p. ex., disfunção hepática ou renal)
  • Outros fármacos tomados (para evitar interações medicamentosas)

A adesão é maximizada quando os esquemas são acessíveis e toleráveis e quando se utilizam dosagens únicas por dia (preferível) ou duas vezes/dia.

Comprimidos contendo combinações fixas de ≥ 2 fármacos são agora amplamente utilizados para simplificar os esquemas e melhorar a adesão. Os comprimidos de combinação comuns são

  • Stribild: elvitegravir, 150 mg; cobicistate 150 mg; entricitabina 200 mg mais tenofovir disoproxil fumarato por via oral 300 mg uma vez ao dia com alimentos
  • Atripla: efavirenz 600 mg; tenofovir disoproxil fumarato 300 mg mais entricitabina 200 mg por via oral uma vez ao dia com o estômago vazio, preferencialmente ao deitar
  • Complera: rilpivirina 25 mg; entricitabina 200 mg mais tenofovir disoproxil fumarato 300 mg por via oral uma vez ao dia com alimentos
  • Truvada: entricitabina 200 mg mais tenofovir disoproxil fumarato 300 mg por via oral uma vez ao dia, com ou sem alimentos
  • Triumeq: dolutegravir 50 mg; lamivudina 300 mg mais abacavir 600 mg por via oral uma vez ao dia, com ou sem alimentos
  • Descovy: entricitabina 200 mg e fumarato de tenofovir alafenamida 25 mg, tomado por via oral uma vez ao dia com ou sem alimentos
  • Genvoya: elvitegravir, 150 mg; cobicistate 150 mg; entricitabina 200 mg, mais fumarato de tenofovir alafenamida 10 mg, tomado por via oral uma vez ao dia com alimentos
  • Odefsey: entricitabina 200 mg; rilpivirina 25 mg mais fumarato de tenofovir alafenamida 25 mg, tomado por via oral uma vez ao dia com alimentos
  • Symtuza: darunavir 800 mg; cobicistate 150 mg; entricitabina 200 mg, e tenofovir alafenamida 10 mg, tomado por via oral uma vez ao dia com alimentos
  • Delstrigo: doravirina 100 mg; lamivudina 300 mg e tenofovir disoproxil fumarato 300 mg por via oral uma vez ao dia com ou sem alimentos
  • Juluca: rilpivirina 25 mg mais dolutegravir 50 mg, tomado uma vez ao dia (para pacientes que estavam em um regime antirretroviral estável por ≥ 6 meses)

Pode-se usar comprimidos contendo combinações fixas de um fármaco com cobicistat, que é um potenciador farmacocinético desprovido de atividade anti-HIV para aumentar os níveis séricos do fármaco com atividade contra o HIV. Essas combinações incluem

  • Evotaz: atazanavir 300 mg mais cobicistate por via oral 150 mg uma vez ao dia com alimentos
  • Prezcobix: darunavir 800 mg mais cobicistate por via oral 150 mg tomado uma vez ao dia com alimentos

Os efeitos adversos dos comprimidos de combinação são os mesmos que aqueles para cada um dos fármacos.

Interações medicamentosas

As interações entre os antirretrovirais podem aumentar ou diminuir a eficácia.

Por exemplo, a eficácia pode aumentar combinando uma dose subterapêutica de ritonavir (100 mg, uma vez ao dia) com outro inibidor de protease (IP) (p. ex., darunavir, atazanavir). O ritonavir inibe a enzima hepática que metaboliza o outro PI. Ao desacelerar a depuração da dose terapêutica dos inibidores da protease, o ritonavir aumenta os níveis séricos do outro fármaco, mantém os níveis aumentados por mais tempo, diminui o intervalo posológico e melhora a eficácia. Outro exemplo é a combinação de lamivudina (3TC) com zidovudina (AZT). O uso de ambos os fármacos em monoterapia resulta rapidamente em resistência, mas a mutação que produz resistência em respostas ao 3TC aumenta a sensibilidade do HIV ao AZT. Assim, quando utilizados juntos, são sinérgicos.

Inversamente, as interações entre os antirretrovirais podem diminuir a eficácia de cada fármaco. Um fármaco pode aumentar a eliminação de outro fármaco (p. ex., pela indução de enzimas hepáticas do citocromo P-450, responsáveis pela eliminação). Um segundo e pouco compreendido efeito de algumas combinações de INTRs (p. ex., AZT e estavudina [d4T]) resulta em atividade antiviral diminuída sem aumento da eliminação do fármaco. Essa última combinação é raramente usada na prática clínica.

A combinação de fármacos muitos vezes aumenta o risco de efeitos colaterais de cada fármaco, individualmente. Os seus possíveis mecanismos incluem:

  • Metabolismo hepático dos PI pelo citocromo P-450: o resultado é a diminuição do metabolismo (e aumento dos níveis) de outros fármacos.
  • Toxicidade aditiva: por exemplo, a combinação de INTRs de primeira geração, como d4T e didanosina (ddI) aumenta a probabilidade de efeitos metabólicos adversos e neuropatia periférica. Além disso, o uso de fumarato de tenofovir disoproxila em um esquema com reforço de ritonavir aumenta os níveis plasmáticos do tenofovir disoproxila e, nos pacientes suscetíveis com certas comorbidades, causa disfunção renal.

Muitos fármacos podem interferir nos antirretrovirais assim, as interações sempre devem ser verificadas antes de se iniciar qualquer nova fármaco.

Efeitos adversos dos antirretrovirais

Antirretrovirais podem ter efeitos adversos graves. Alguns deles, especialmente anemia, hepatite, insuficiência renal, pancreatite e intolerância à glicose, podem ser detectados por testes sanguíneos antes de causarem sintomas. Os pacientes devem ser acompanhados regularmente, tanto do ponto de vista clínico quanto por testes laboratoriais adequados (hemograma completo para hiperglicemia, hiperlipidemia, comprometimento hepático e pancreático e insuficiência renal; exame de urina), em especial depois que novos fármacos são introduzidos ou surgirem sintomas inexplicáveis.

Efeitos metabólicos consistem em síndromes inter-relacionadas da redistribuição de gordura, hiperlipidemia e resistência à insulina. A gordura subcutânea é comumente redistribuída do rosto e membros para o tronco, pescoço, mamas e abdome — um efeito estético que pode estigmatizar e angustiar os pacientes, denominado lipodistrofia. Tratamentos faciais com injeção de colágeno ou ácido poliláctico podem ser benéficos.

Obesidade central, hiperlipidemia e resistência à insulina que, em conjunto, constituem a síndrome metabólica, aumentam o risco de infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico e demência.

Antivirais de todas as classes parecem contribuir para esses efeitos metabólicos, mas IPs são aqueles mais claramente envolvidos. Alguns antirretrovirais mais antigos, como ritonovir ou d4T, costumam ter efeitos metabólicos. Outras, como tenofovir disoproxil fumarato, etravirina, atazanavir ou darunavir (mesmo quando combinados com uma dose baixa de ritonavir), raltegravir e maraviroque parecem ter efeitos desprezíveis nos níveis lipídicos.

Mecanismos responsáveis pelos efeitos metabólicos parecem ser múltiplos; um deles é a toxicidade mitocondrial. O risco de efeitos metabólicos (maior com PI) e de toxicidade mitocondrial (maior com INTRs) varia de uma classe de fármacos para outra e dentro da mesma classe (p. ex., entre os INTRs, é maior com d4T).

Os efeitos metabólicos são proporcionais à dose e, muitas vezes, começam no 1º ou 2º ano de tratamento. Acidose láctica é incomum, mas pode ser fatal.

Esteatose hepática não alcoólica é cada vez mais reconhecida entre pacientes que vivem com o HIV. Certos antirretrovirais de primeira geração causavam esteatose e, à medida que seu uso diminuiu, a incidência da esteatose caiu. No entanto, mesmo com antirretrovirais de última geração, parece haver risco de esteatose.

Efeitos a longo prazo e o gerenciamento ótimo de efeitos metabólicos não são conhecidos. Os hipolipemiantes (estatinas) e os fármacos de sensibilização à insulina (glitazonas) podem ajudar. Deve-se aconselhar os pacientes sobre como manter uma alimentação saudável e atividade física regular como maneiras de ajudar a promover a saúde.

Complicações ósseas da TARV incluem osteopenia e osteoporose assintomáticas, que são comuns. Menos comum, a necrose avascular de grandes articulações, como quadris e ombros, produz artralgias e distúrbios intensos. Os mecanismos de complicações ósseas são pouco entendidos.

Síndrome inflamatória de reconstituição imunitária (IRIS)

Algumas vezes, pacientes que iniciam a TARV experimentam deterioração clínica, embora os níveis de HIV no sangue estejam suprimidos e a contagem de CD4 aumente, como uma reação imunitária às infecções oportunistas subclínicas ou a antígenos microbianos residuais após o tratamento eficaz de infecções oportunistas. A IRIS geralmente ocorre nos primeiros meses do tratamento, mas algumas vezes é tardia. A IRIS pode complicar praticamente quaisquer infecções oportunistas e mesmo tumores (p. ex., sarcoma de Kaposi), mas costuma ser autolimitada ou responde a breves esquemas de corticoides.

A IRIS se apresenta de duas formas:

  • IRIS paradoxal, que se refere à piora dos sintomas por causa de uma infecção previamente diagnosticada
  • IRIS mão mascarada, que se refere ao primeiro aparecimento dos sintomas de uma infecção não diagnosticada anteriormente

IRIS paradoxal geralmente ocorre nos primeiros meses do tratamento e costuma desaparecer espontaneamente. Se não desaparecer, corticoides, administrados por curto período de tempo, geralmente são eficazes. A IRIS paradoxal tende a ser grave quando se começa a TARV logo após o início do tratamento de uma infecção oportunista. Assim, para algumas infecções oportunistas, adia-se a TARV até que o tratamento da infecção oportunista reduza ou elimine a infecção.

Em pacientes com IRIS não mascarada, trata-se a infecção oportunista recém-identificada com antimicrobianos. Às vezes quando os sintomas são graves, também usam-se corticoides. Normalmente, quando IRIS não mascarada ocorre, a TARV é mantida. Uma exceção é a meningite criptocócica. Então a TARV é temporariamente interrompida até a infecção ser controlada.

Pode ser difícil determinar se a deterioração clínica é causada por falha no tratamento, IRIS ou ambas, sendo necessária a avaliação da persistência de infecções ativas por meio de culturas.

Interrupção da terapia antirretroviral

Portanto a interrupção da TARV costuma ser segura se todos os fármacos forem interrompidos simultaneamente, mas os níveis dos fármacos metabolizados lentamente (p. ex., a nevirapina) podem permanecer elevados e, assim, aumentar o risco de resistência. A interrupção pode ser necessária para o tratamento de doenças concomitantes ou se a toxicidade do fármaco for intolerável ou precisar ser avaliada. Após a interrupção, determinar quais fármacos são responsáveis pela toxicidade, reintroduzindo-as como monoterapia, por poucos dias, é um procedimento seguro, na maioria das vezes.

Fonte: Por Edward R. Cachay , MD, MAS, University of California, San Diego School of Medicine traduzido por Momento Saúde

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