A trombocitemia essencial é um distúrbio clonal de células-tronco hematopoiéticas que causa aumento da produção de plaquetas. A trombocitemia essencial costuma ocorrer em picos bimodais; um pico precoce entre mulheres jovens e um pico tardio após os 50 anos de idade, tanto em mulheres como em homens.
Uma mutação da enzima quinase Janus 2 (JAK2), JAK2V617F, é identificada em cerca de 50% dos pacientes; a JAK2 faz parte da família de enzimas tirosina quinase e participa da transdução de sinal para a eritropoietina, a trombopoietina e o fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF) entre outras substâncias. Outros pacientes têm mutação no éxon 9 do gene da calreticulina (CALR) e alguns têm mutações adquiridas no gene dos receptores da trombopoietina somática (MPL).
Algumas síndromes mielodisplásicas (p. ex., anemia refratária com sideroblastos anelados, trombocitose em anel [RARS-T] e síndrome 5q-) podem apresentar contagem plaquetária alta.
Fisiopatologia da trombocitemia essencial
A trombocitemia pode levar a:
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Oclusões microvasculares (geralmente reversíveis)
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Trombose de grandes vasos
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Sangramento
As oclusões microvasculares costumam comprometer os pequenos vasos distais dos membros (causando eritromelalgia), do olho (causando enxaqueca ocular) ou do sistema nervoso central (causando ataque isquêmico transitório). Nem todos os pacientes apresentam sintomas microvasculares, mesmo quando a contagem de plaquetas é alta.
Não está claro se o risco de trombose de grandes vasos que causa trombose venosa profunda ou embolia pulmonar é aumentado na trombocitemia essencial, particularmente porque as plaquetas estão envolvidas principalmente na trombose arterial e não há correlação entre a contagem de plaquetas e a trombose de grandes vasos.
O sangramento é mais provável na trombocitose extrema (i. e., cerca de > 1,5 milhão de plaquetas/mcL [1,5 milhões × 109/L]); é decorrente de deficiência adquirida do fator de von Willebrand causada porque as plaquetas adsorvem e proteolizam os multímeros de von Willebrand de alto peso molecular, causando a síndrome de von Willebrand adquirida.
Sinais e sintomas da trombocitemia essencial
Os sintomas comuns são:
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Fraqueza
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Hematoma e sangramento
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Gota
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Enxaqueca oftálmica
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Parestesias de mãos e pés
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Eventos trombóticos
A trombose pode causar sintomas no local afetado (p. ex., deficits neurológicos no acidente vascular encefálico ou ataque isquêmica transitório).
O sangramento costuma ser leve, raramente espontâneo e se manifesta como epistaxe, hematomas fáceis ou sangramento gastrintestinal. No entanto, pode ocorrer sangramento grave em um pequeno percentual dos casos com trombocitose extrema.
Pode ocorrer eritromelalgia (dor em queimação nas mãos e nos pés, com calor, eritema e algumas vezes isquemia digital). O baço pode ser palpável, mas a esplenomegalia significativa é incomum e deve sugerir outra neoplasia mieloproliferativa.
Diagnóstico da trombocitemia essencial
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Hemograma completo e esfregaço sanguíneo periférico
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Exclusão das causas da trombocitose secundária
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Estudos citogenéticos
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Mutação no JAK2 por reação em cadeia da polimerase (PCR) e, se negativo, análise da mutação CALR ou MPL
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Possível exame da medula óssea
A contagem de plaquetas é 450.000/mcL (> 450.000 × 109/L), podendo ser de apenas > 1.000.000/mcL (> 1.000.000 × 109/L). A contagem de plaquetas podem diminuir durante a gestação. O exame direto do sangue periférico pode revelar plaquetas gigantes e fragmentos de megacariócitos.
A trombocitemia essencial é um diagnóstico de exclusão e deve-se considerá-la em pacientes nos quais as causas reativas comuns da trombocitose e outros neoplasmas mieloproliferativos forem excluídas. Se citopenias são identificadas, deve-se considerar a síndrome mielodisplásica.
Se há suspeita de trombocitemia essencial, hemograma completo (HC), esfregaço de sangue periférico, exames para ferro e testes genéticos, incluindo um ensaio quantitativo para JAK2 V617F, devem ser realizados juntamente com um ensaio para BCR-ABL a fim de excluir leucemia mieloide crônica (LMC, que pode ocorrer manifestando apenas trombocitose). Se os testes para JAK2 e BCR-ABL são negativos, deve-se fazer testes para a mutação CALR e MPL. Sugere-se o diagnóstico de trombocitemia essencial em caso de valores normais de hematócrito, contagem de leucócitos, volume corpuscular médio (VCM) e valores de ferro, bem como pela ausência da translocação BCR-ABL.
A análise de mutação sempre deve ser quantitativa porque a carga do alelo do gene condutor na trombocitemia essencial positiva para JAK2 V617F não excede 50%. Carga quantitativa de alelos > 50% sugere policitemia vera ou mielofibrose primária. Entretanto, a carga quantitativa dos alelos < 50% não exclui definitivamente a policitemia vera ou mielofibrose primária porque essas duas doenças podem se manifestar apenas com trombocitose e, na policitemia vera, a expansão do volume plasmático pode mascarar a presença da massa eritrocitária expandida. Além disso, cerca de 25% dos pacientes (principalmente mulheres) com o que inicialmente parece ser uma trombocitemia essencial posteriormente se transforma em uma policitemia vera clara, com aumentos no hematócrito e na carga do alelo JAK2V617F.
As diretrizes da Organização Mundial da Saúde sugerem que é necessário um resultado de biópsia da medula óssea mostrando aumento do número de megacariócitos maduros para o diagnóstico da trombocitemia essencial, mas esse critério nunca foi validado prospectivamente e um exame da medula não irá distinguir trombocitemia essencial de policitemia vera. Entretanto, pode-se realizar uma biópsia da medula óssea para determinar se há fibrose significativa.
Prognóstico para trombocitemia essencial
A expectativa de vida está próxima do normal. Ainda que os sintomas sejam comuns, o curso da doença é, muitas vezes, benigno. Complicações trombóticas arteriais sérias são raras, porém podem colocar a vida em risco. Ocorre transformação leucêmica em < 2% dos casos, mas esse percentual pode aumentar após a exposição à terapia citotóxica, inclusive com hidroxiureia. Alguns pacientes evoluem com mielofibrose secundária, particularmente homens com as mutações JAK2V617F ou CALR tipo 1.
Tratamento da trombocitemia essencial
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Fármacos que diminuam as plaquetas (p. ex., hidroxiureia, anagrelida)
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Raramente plaquetaférese
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Raramente, citotóxicos
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Raramente, interferon
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Raramente, transplante de células-tronco
Para os sinais e sintomas vasomotores leves (p. ex., cefaleia, discreta isquemia digital e eritromelalgia) e para diminuir o risco de trombose nos pacientes de baixo risco, o uso de 81 mg de ácido acetilsalicílico por via oral uma vez ao dia costuma ser suficiente, mas pode-se usar uma dose mais alta se necessário. A enxaqueca grave pode exigir redução da contagem de plaquetas para seu controle. A utilidade do ácido acetilsalicílico durante a gestação não está comprovada e pode provocar sangramento em pacientes com trombocitemia essencial e mutação CALR.
O ácido aminocaproico ou ácido tranexâmico é eficaz para controlar a hemorragia decorrente da doença de von Willebrand adquirida durante procedimentos menores, como aqueles odontológicos. Os principais procedimentos podem exigir aumento da contagem das plaquetas.
Transplante de células-tronco alogênico é raramente usado na trombocitemia essencial, mas pode ser eficaz se houver transformação em leucemia aguda.
Diminuição da contagem de plaquetas
Como o prognóstico quase sempre é bom e não há correlação entre o grau de trombocitose e trombose, não se deve utilizar fármacos potencialmente tóxicos que reduzem apenas para normalizar a contagem plaquetária nos pacientes assintomáticos. As indicações consensuais de tratamento de redução plaquetária são:
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Fatores de risco cardiovascular
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Episódios isquêmicos transitórios
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Idade avançada
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Sangramento importante
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Necessidade de procedimento cirúrgico em pacientes com trombocitose extrema e baixa atividade do cofator ristocetina
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Algumas vezes, enxaqueca grave
No entanto, não há dados que comprovem que a diminuição da contagem plaquetária por meio da terapia citotóxica reduza o risco de trombose ou melhore a sobrevida. Aqueles que são JAK2 positivos e/ou maiores de 65 anos de idade têm maior risco de complicações tromboembólicas.
Os fármacos usados para reduzir a contagem plaquetária são a anagrelida, interferon alfa 2 b e a hidroxiureia. Em geral, considera-se a hidroxiureia o fármaco de escolha para uso em curto prazo. Como Cloridrato De Anagrelida e hidroxiureia atravessam a placenta, não são utilizadas durante a gestação; a interferona-alfa-2a pode ser usada em gestantes quando necessário.
O interferon é o tratamento mais seguro para a enxaqueca quando fármacos dedicados à enxaqueca não são eficazes. Deve-se usar anagrelida com cautela em pacientes idosos por causa dos seus efeitos sobre o sistema cardiovascular (p. ex., palpitações, arritmias) e os rins (p. ex., retenção de líquidos).
A hidroxiureia só deve ser prescrita por especialistas familiarizados com seu uso e monitoramento. O objetivo é aliviar os sintomas, em vez de normalizar a contagem de plaquetas. A interrupção muito rápida da hidroxiureia pode resultar em recorrência rápida e ciclagem de plaquetas.
O ruxolitinibe, um fármaco utilizado na policitemia vera e na mielofibrose primária, foi estudado para uso na trombocitemia essencial em pacientes que são resistentes a outros tratamentos.
A remoção de plaquetas (plaquetaférese) já foi usada em raros casos de pacientes com hemorragia grave ou trombose recorrente, ou antes de uma cirurgia de emergência para a redução imediata da contagem de plaquetas. No entanto, a plaquetaférese é raramente necessária. Seus efeitos são transitórios com recuperação rápida na contagem de plaquetas. A hidroxiureia ou a anagrelida não têm um efeito imediato, mas deve-se iniciá-las ao mesmo tempo que a plaquetaférese.
Fonte: Por Jane Liesveld, MD, James P. Wilmot Cancer Institute, University of Rochester Medical Center traduzido por Momento Saúde