Remédios que chegam a custar entre R$ 600 e R$ 900 estão entre os mais vendidos nas farmácias brasileiras. São produtos desenvolvidos originalmente para o tratamento de diabetes tipo 2, mas que se mostraram eficazes no controle de peso, fazendo com que o fabricante criasse versões específicas para pacientes com obesidade.
Será que o Brasil tem tantos obesos e diabéticos assim com condições de gastar uma cifra tão alta por mês ou está havendo uso indevido por pessoas que não se encaixam nas definições estabelecidas na bula dos medicamentos?
Por não serem remédios controlados – diferentemente de antibióticos e psicotrópicos, por exemplo –, não há como saber quem os está comprando. Entretanto, médicos ouvidos pelo R7 afirmam que há, sim, consumo por pessoas que desejam perder alguns quilinhos e fazem uso deles sem orientação.
Antes de falar sobre os riscos de automedicação com essas drogas, é preciso entender como e por que elas chegaram ao patamar das mais vendidas no país.
Saxenda
Entre abril de 2020 e abril de 2021, o Saxenda foi o segundo medicamento mais comercializado nas farmácias do país, segundo levantamento da consultoria IQVIA.
O princípio ativo é a liraglutida, um agonista do receptor GLP-1 (hormônio liberado pelo intestino após as refeições e que atua nos receptores do cérebro que controlam o apetite, a sensação de saciedade e a fome).
A consequência natural é que o indivíduo que faz uso do medicamento coma menos e emagreça.
A liraglutida foi aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2011 exclusivamente para o controle de diabetes tipo 2.
O medicamento registrado foi o Victoza, cujas doses da caneta de injeção subcutânea são de 0,6 mg, 1,2 mg e 1,8 mg.
“Sabia-se que era um remédio que aumentava a saciedade, diminuía a fome e a vontade de comer, e as pessoas emagreciam. Esse produto, quando foi lançado [no Brasil], teve estouro de vendas nas farmácias. Os diabéticos – que eram o público principal para uso [do medicamento] – mal conseguiram comprá-lo”, lembra a endocrinologista Claudia Cozer Kalil, médica do corpo clínico no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
O Victoza foi liberado na mesma época em que a Anvisa proibiu a venda dos anorexígenos anfepramona, femproporex e mazindol, comumente usados por quem queria emagrecer, mas que eram antigos demais e não contavam com estudos atualizados para atestar a segurança e eficácia deles conforme os critérios atuais.
“Existia um uso abusivo dessas medicações, e o Brasil era o primeiro ou o segundo país em prescrições”, comenta a médica, ao considerar que houve uma migração de pessoas que faziam uso indevido dos anorexígenos para a liraglutida devido ao acesso fácil a ela, sem a exigência de receita.
“Desde aquela época, as pessoas já faziam uso sem orientação médica – e naquela época o Victoza também não estava aprovado para perda de peso.”
Com novos estudos, a desenvolvedora do Victoza, a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, concluiu que doses mais altas forneciam melhores resultados na perda de peso em pessoas obesas.
Foi criado, então, o Saxenda, com doses ajustáveis de 0,6 mg, 1,2 mg, 1,8 mg, 2,4 mg e 3 mg de liraglutida, liberado pela Anvisa em março de 2016.
Ele é indicado a pessoas com IMC (índice de massa corporal) acima de 30 (obesidade) ou acima de 27 (sobrepeso), desde que este último grupo tenha alguma doença associada ao peso, como hipertensão, diabetes, colesterol elevado ou apneia obstrutiva do sono, por exemplo.
Uma caixa com três canetas do Saxenda custa cerca de R$ 600. Cada uma, se usada na dose de 3 mg por dia, dura sete dias.
O que todos que começam o tratamento com liraglutida se perguntam é: quanto vou emagrecer?
Uma revisão feita por pesquisadores do Texas em 2016 e publicada na revista Obesity Science & Practice mostrou que quem fez uso de 3 mg do Saxenda perdeu, em média, 6% do peso original (6,4 kg) após 56 semanas.
Sendo assim, o gasto com o medicamento seria, ao fim desse período, de aproximadamente R$ 11 mil.
Indivíduos que utilizaram 1,8 mg perderam uma média de 4,7% do peso (5 kg). O grupo que tomou placebo – substância sem efeito no organismo – emagreceu 2% (2,2 kg).
A endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês ainda faz uma ressalva a respeito do medicamento.
“Setenta por cento das pessoas costumam ter resultados bons em relação à perda de peso, mas 30% não respondem à medicação. É como se não fizesse efeito nenhum sobre essas pessoas.”
A própria bula recomenda a suspensão do uso se não houver resultados em três meses.
“O tratamento com Saxenda deve ser descontinuado após 12 semanas de tratamento na dose de 3,0 mg/dia se o paciente não apresentar perda ponderal maior do que ou igual a 5% do peso inicial. A necessidade de continuar com o tratamento deve ser reavaliada anualmente.”
Ozempic
O mesmo laboratório que criou o Victoza e o Saxenda desenvolveu posteriormente uma substância que se mostrou mais eficaz no tratamento de diabetes tipo 2, especialmente por ser aplicada em um intervalo maior de tempo (uma semana): a semaglutida, vendida sob a marca Ozempic.
O Ozempic foi aprovado pela Anvisa em agosto de 2018 somente para o tratamento de diabetes tipo 2, mas imediatamente passou a ser usado off label (sem indicação na receita) também para obesidade e por pessoas que não têm indicação para uso desse medicamento.
A caneta aplicadora da injeção subcutânea do Ozempic tem doses de 0,25 mg e 0,5 mg, seis agulhas descartáveis e custa cerca de R$ 870.
A mesma pesquisa da IQVIA mostrou que o Ozempic saltou da 42ª posição dos mais vendidos em 2020 para a sexta no ano passado.
“O Ozempic não foi estudado para obesidade. Os estudos de obesidade são com uma dose maior. Esse remédio já foi lançado nos Estados Unidos, se chama Wegovy. Seria o Ozempic para obesidade”, destaca o vice-presidente do Departamento de Obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), Márcio Mancini.
Nos EUA, o tratamento com Wegovy começa em 0,25 mg de injeção subcutânea nas primeiras quatro semanas, passa por aumentos de doses mensais, de 0,5 mg, 1 mg e 1,7 mg, até chegar à dose de 2,4 mg, ao custo médio mensal de US$ 1.627 (em torno de R$ 8.360 na cotação atual) para quem não tem seguro de saúde.
A Novo Nordisk Brasil entrou com pedido de registro do Wegovy na Anvisa no início de 2021 e aguarda uma resposta.
A farmacêutica afirma, em nota, que “não endossa nem apoia a promoção de informações de caráter off label, ou seja, em desacordo com a bula de seus produtos” e reitera que o Ozempic “não possui indicação aprovada pelas agências regulatórias nacionais e internacionais para obesidade”.
Um estudo sobre o Wegovy financiado pelo fabricante e publicado no NEJM (The New England Journal of Medicine) em março do ano passado analisou 1.961 indivíduos obesos (IMC ≥30) ou com sobrepeso (IMC ≥27), desde que tivessem ao menos uma condição coexistente relacionada ao peso e não tivessem diabetes.
Eles foram divididos em grupos aleatórios sem que os pesquisadores que os acompanhavam e nem eles próprios soubessem em qual estavam. Metade tomou 2,4 mg de semaglutida subcutânea semanalmente, e a outra metade recebeu injeções de placebo.
“A alteração média no peso corporal desde a linha de base até a semana 68 [um ano e quatro meses] foi de -14,9% no grupo semaglutida em comparação com -2,4% com placebo”, escreveram os autores, acrescentando que a perda de peso médio no período foi de 15,3 kg no grupo que fez uso do medicamento, em comparação com -2,6 kg em quem tomou placebo.
Também foi constatado que 86,4% dos participantes do grupo semaglutida haviam perdido ao menos 5% do peso inicial, enquanto no grupo placebo foram 31,5%.
“Quando a gente fala em 15%, um indivíduo de 100 kg passar para 85 kg já é algo. Isso é média, mas há indivíduos que perderam 20%, mais que 20%. Então são tratamentos bem promissores”, comenta Mancini, ao ponderar que, nos Estados Unidos, 35% dos adultos são obesos, mas apenas 2% fazem uso de algum medicamento para tratar a doença.
Uso sem orientação e riscos
Como qualquer medicamento, a liraglutida e a semaglutida podem causar uma série de efeitos colaterais.
“Um estudo com liraglutida analisou a incidência de efeitos colaterais de acordo com uma série de fatores e chegou à conclusão de que quem tinha mais efeito colateral eram mulheres com peso menor. Mas os estudos foram conduzidos em pessoas que tinham indicação de tomar o remédio. Então, quando eu falo mulheres com peso menor, estou dizendo que uma mulher com 1,50 m e 65 kg tinha indicação de usar o remédio, mas ela tinha mais efeito colateral do que uma mulher com 1,70 m e 90 kg”, pontua Mancini.
Não existem, continua o médico, quaisquer estudos envolvendo os dois princípios ativos em pessoas fora dos critérios estabelecidos: sobrepeso com IMC acima de 27 e doença associada ou obesidade, além dos casos de diabetes tipo 2.
“O que existe de negativo é que são pessoas tomando medicações que, por mais seguras que sejam, têm efeitos colaterais e não foram estudadas nessa população. Ninguém estudou Saxenda ou Ozempic em, por exemplo, mulheres com 60 kg que gostariam de pesar 57 kg. Os pacientes estudados ou eram diabéticos ou pesavam, em média, algo próximo de 100 kg.”
Segundo o médico, o uso esporádico também aumenta a possibilidade de efeitos colaterais.
“Há pessoas que usam e têm peso normal, mas que gostariam de pesar 2 kg ou 3 kg a menos para entrar em uma roupa, para ir a uma festa de casamento, coisas bem pontuais. E às vezes o uso é por um mês para ver se resolve. […] É como se fosse sempre um recomeço de tratamento.”
Para a endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, a facilidade de acesso e a falta de opções tornaram a liraglutida e a semaglutida populares entre quem pode pagar.
“Eu acho que existe um uso indiscriminado no sentido de que são os únicos remédios para controle de peso que não precisam de prescrição médica. Como a sibutramina é uma medicação controlada, de tarja preta e precisa de receita específica, ficou muito mais fácil as pessoas saírem comprando medicamentos que não precisam de prescrição, como é o caso do Victoza, do Saxenda e do Ozempic.”
Entre os efeitos colaterais mais comuns descritos na bula do Saxenda e do Ozempic estão:
• Náusea, vômito, diarreia, constipação
• Tontura
• Problemas que afetam o estômago e o intestino como: indigestão (dispepsia), inflamação gástrica (gastrite), desconforto gástrico, dor na região superior do estômago, azia, sensação de
empachamento, flatulência, eructação, boca seca
• Sensação de fraqueza ou cansaço
• Paladar alterado
• Dificuldade para dormir (insônia)
• Cálculo biliar
• Reações no local da injeção (como hematoma, dor, irritação, coceira e erupção cutânea)
• Hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue), que provoca mal-estar súbito
• Aumento de enzimas pancreáticas, como lipase e amilase
Claudia chama a atenção também para reações que podem levar pacientes ao pronto-socorro.
“As mais comuns são vômitos e enjoo muito importante. Algumas pessoas ficam em quadro de vômito recorrente e acabam se desidratando. Um dos efeitos dessas drogas é lentificar o trânsito intestinal, então existem pessoas que ficam com uma obstipação intestinal muito intensa, formando fecalomas que também precisam muitas vezes ser tratados no ambiente hospitalar.”
Ela alerta ainda para o risco de pancreatite aguda, embora seja um efeito adverso raro, mas que já foi observado em pacientes que usam esses remédios.
“A combinação desses medicamentos com alto teor alcoólico pode levar a um quadro de pancreatite, que é bem grave, pode ocorrer nos primeiros meses de uso. A pessoa tem uma dor forte na região abdominal, perto da altura do estômago, uma dor como se estivesse deitando sobre uma barra horizontal. Esse quadro muitas vezes precisa de internação, de jejum, precisa de todo um suporte. A pessoa pode perder o pâncreas e ficar diabética ou até morrer.”
Restringir venda ou orientar?
A venda livre de liraglutidade e semaglutida em farmácias preocupa os especialistas.
“Os nossos jovens hoje têm apresentado uma incidência muito alta tanto de obesidade quanto de transtorno alimentar. Você imaginar que qualquer jovem de 12 anos pode entrar em uma farmácia, comprar um remédio desses e sair se autoaplicando é um risco enorme”, observa Claudia.
Por outro lado, o vice-presidente do Departamento de Obesidade da SBEM destaca que nenhum remédio para diabetes no Brasil tem venda controlada. Impor restrições à compra do Saxenda faria com que as pessoas que usam o medicamento sem prescrição passassem a comprar o Victoza.
“Procure um profissional para indicar se você deve ou não tomar, se esse é o melhor remédio para você e se não dá para resolver seu problema sem um remédio. Para a obesidade, eu diria que menos, mas para quem tem um excesso de peso de poucos quilos pode ser suficiente só mudar o comportamento”, orienta Mancini.
Mounjaro Anvisa aprova remédio para tratamento de diabetes tipo 2 com efeito superior ao Ozempic
Segundo a agência, ele tem efeito superior a concorrentes – como o Ozempic, outro famoso medicamento para diabéticos.
Assim como o Ozempic, o Mounjaro provoca perda de peso, tendo efeito para o controle do sobrepeso e obesidade.
Portanto no registro, a Anvisa destacou que o medicamento é indicado para uso em conjunto com a realização de dieta e exercícios “para melhorar o controle glicêmico de adultos com diabetes mellitus tipo 2”.
“Estudos evidenciaram que a tirzepatida reduz efetivamente a HbA1c [hemoglobina glicada] e espera-se que resulte em redução do risco de doença microvascular a longo prazo, prevenindo cegueira, insuficiência renal com necessidade de diálise e amputação devido à neuropatia”, disse a Anvisa.
Fonte: Portal R7
Mounjaro ou Ozempic qual é o melhor?
Mounjaro ou Ozempic comparando Duas Opções de Tratamento para Diabetes Tipo 2
MOUNJARO O NOVO REMÉDIO CONCORRENTE DO OZEMPIC?
O medicamento Mounjaro (tirzepatida) da farmacêutica Eli Lilly (LILY34), destinado ao tratamento de diabetes tipo 2, recebeu a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)