A COVID-19 se disseminou mundialmente nos últimos 12 meses desde que foi reconhecida pela primeira vez em Wuhan, uma cidade de mais de 11 milhões de habitantes no centro da China, em dezembro de 2019. Em um mês, investigadores chineses identificaram um novo coronavírus, chamado SARS-CoV-2, como sua causa. Geneticamente, este vírus tinha uma relação mais íntima com um coronavírus isolado de morcegos-de-ferradura em Yunnan, China. Ainda não se sabe como o vírus saiu de cavernas de morcegos em Yunnan para Wuhan, a mais de 1.000 km (621 milhas) de distância.
Embora o número de casos de COVID-19 em todo o mundo esteja se aproximando de 30 milhões com quase 1 milhão de mortos (1), ainda estamos surpresos com o pouco que sabemos sobre essa doença muito complexa.
O espectro clínico varia muito. Até 40% das pessoas infectadas com SARS-CoV-2 nunca desenvolvem sintomas. Cerca de 80% das pessoas que se tornam sintomáticas têm uma doença leve que não requer hospitalização; cerca de 15% ficam suficientemente doentes para necessitar de hospitalização; mas apenas 5% necessitam de cuidados em uma unidade de terapia intensiva, geralmente para receber ventilação mecânica e tratar a insuficiência respiratória.
No início da pandemia, muitas pessoas acreditavam que a COVID-19 seria uma doença de curto prazo. Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde, usando dados preliminares disponíveis na ocasião, relatou que o tempo desde o início até a recuperação clínica para casos leves era de aproximadamente 2 semanas e que a recuperação levava de 3 a 6 semanas no caso de pacientes com doença grave ou crítica (2). Mais recentemente, no entanto, tornou-se claro que, em alguns pacientes, os sintomas debilitantes persistem por semanas ou até meses. Em alguns desses pacientes, os sintomas nunca desapareceram.
Muitos estudos documentaram danos persistentes em muitos órgãos ou sistemas, incluindo pulmões, coração, cérebro, rins e sistema vascular, em pacientes infectados com SARS-CoV-2. O dano parece ser causado por respostas inflamatórias intensas, microangiopatia trombótica, tromboembolismo venoso e privação de oxigênio.
Foi encontrada baixa saturação de oxigênio no sangue mesmo em pacientes assintomáticos e pré-sintomáticos com pneumonia por COVID-19, que foi chamada de “hipóxia silenciosa”. Foi documentado que a lesão nos órgãos persiste nos pulmões, coração, cérebro e rins, mesmo em algumas pessoas que apresentavam apenas sintomas leves.
O ritmo lento da recuperação explica prontamente a duração do que passou a ser chamado de “síndrome pós-COVID”. Algumas pessoas também podem estar sofrendo da síndrome pós-tratamento intensivo, um grupo de sintomas que, às vezes, ocorrem em pessoas que estavam internadas em uma unidade de tratamento intensivo, e que envolve fraqueza muscular, problemas de equilíbrio, declínio cognitivo e distúrbios de saúde mental observados após a alta de cuidados intensivos que geralmente envolvem um período prolongado de ventilação mecânica (3).
A persistência dos sintomas também ocorreu após a infecção por outro coronavírus, SARS-CoV-1, o vírus que causou a epidemia da síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2002–2003. Os sintomas persistentes assemelham-se à síndrome da fadiga crônica/encefalomielite miálgica (SFC/EM). Fadiga persistente, dor muscular, depressão e sono interrompido impediram pacientes com SARS em Toronto, a maioria dos quais eram profissionais de saúde, de retornar ao trabalho por até 20 meses após a infecção (4).
Foi relatado que 40% dos 233 sobreviventes de SARS em Hong Kong apresentavam fadiga crônica após cerca de 3 a 4 anos, e 27% atenderam aos critérios descritos pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention, CDC) para SFC/EM (5). Muitos permaneceram desempregados e sofreram estigmatização social (5).
A doença semelhante à SFC/EM, na qual algumas pessoas melhoram rapidamente, mas outras permanecem doentes por períodos prolongados, tem acompanhado muitas outras doenças infecciosas.
Diz-se que a doença persistente após a COVID-19 também se assemelha à SFC/EM (10), e pessoas com síndrome pós-COVID-19 deram a si mesmas o nome de “long-haulers” (portadores de longo curso). No entanto, não existe uma imagem clara do que constitui a síndrome pós‑COVID-19. Sem uma definição formalmente aceita para a síndrome pós-COVID-19, é difícil avaliar a sua frequência, quanto tempo ela dura, quem corre o risco de desenvolver a síndrome, o que a causa, qual é a sua fisiopatologia e como tratar e preveni-la. Contudo, vários estudos estão começando a definir este grupo de pacientes.
O CDC conduziu uma pesquisa telefônica em vários estados, de abril a junho de 2020, entrevistando adultos não hospitalizados que apresentaram um teste de reação em cadeia da polimerase da transcrição reversa (RT-PCR) positivo para infecção por SARS-CoV-2 (11).
Os entrevistados foram inquiridos sobre características demográficas, quadros clínicos crônicos basais, sintomas presentes no momento do teste, se esses sintomas haviam sido resolvidos até a data da entrevista e se eles haviam retornado ao seu estado de saúde habitual no momento da entrevista.
Dos 274 entrevistados sintomáticos no momento do teste de PCR, cerca de um terço relatou não ter retornado ao seu estado de saúde habitual quando entrevistados 2 a 3 semanas após o teste. Dentre os jovens, com idades entre 18 e 34 anos, sem quadros clínicos crônicos, 20% não haviam retornado ao seu estado de saúde habitual.
No entanto, a idade avançada e a presença de múltiplos quadros clínicos crônicos foram mais comumente associadas à doença prolongada, que estava presente em 26% dos pacientes com idade de 18 a 34 anos, 32% dos pacientes com idade de 35 a 49 anos e 47% dos pacientes com idade de 50 anos ou mais. Fadiga (71%), tosse (61%) e dor de cabeça (61%) foram os sintomas mais frequentemente relatados. Esses achados indicam que a COVID-19 pode resultar em doença prolongada mesmo em pessoas com doença ambulatorial mais leve, incluindo adultos jovens. Essa descoberta é particularmente preocupante, pois surtos estão surgindo em campi universitários.
Em outro estudo em Roma, Itália, de 143 pacientes (idade média de 57 anos) após cerca de duas semanas de hospitalização por COVID-19, muitos pacientes ainda enfrentavam sintomas, em média, 60 dias após o início da doença; 87% ainda apresentavam, pelo menos, um sintoma e 55% apresentavam 3 ou mais sintomas (12). A qualidade de vida havia piorado em 44%, com fadiga (53,1%), dificuldade respiratória (43%), dor articular, (27%) e dor torácica (22%) persistindo em muitos dos pacientes. Nenhum apresentou febre ou quaisquer sinais ou sintomas de doença aguda.
No entanto, muitas informações que caracterizam os dados demográficos, o curso temporal e a sintomatologia da síndrome pós-COVID-19 foram geradas e analisadas pelos próprios “long-haulers” que pertencem ao Grupo de Suporte on-line da Body Politic para a COVID-19 e que têm experiência em pesquisa, elaboração de enquetes e análise de dados. A pesquisa on-line que eles desenvolveram e destinaram àqueles cujos sintomas persistiram por mais de duas semanas recebeu 640 respostas de 21 de abril a 2 de maio de 2020 (13).
Os entrevistados eram predominantemente jovens (63% com idade de 30 a 49 anos), brancos (77%) e mulheres (77%), vivendo nos Estados Unidos (72%) ou no Reino Unido (13%). A maioria não chegou a ser hospitalizada, ou se foi hospitalizada, não foi internada em uma UTI ou colocada em um ventilador, então seus casos contaram, tecnicamente, como “leves”. Muitos foram atendidos em um pronto-socorro/unidade de atendimento de emergência, mas não foram internados. Todos os entrevistados foram incluídos, independentemente do status do teste RT-PCR para SARS-CoV-2. Em cerca de 25%, o teste RT-PCR foi positivo, mas quase 50% dos participantes nunca foram testados, porque os testes durante esses meses (março e abril de 2020) estavam muitas vezes limitados a pessoas hospitalizadas com problemas respiratórios graves, e seus sintomas foram considerados “clássicos”, tornando os testes desnecessários em um momento em que os kits de testes de PCR estavam em falta ou os testes foram negados, porque seus sintomas não correspondiam aos critérios predefinidos.
Outros 25% dos entrevistados apresentaram resultado negativo, mas um resultado negativo não significa que essas pessoas não tiveram COVID-19. Alguns testes negativos foram, provavelmente, resultados falso-negativos, o que ocorre em até 30% das vezes (14). Outros foram testados relativamente tarde no curso da doença, em um momento em que o vírus podia não ser mais detectável (15). Na pesquisa, os entrevistados com resultados negativos para o teste de RT‑PCR foram, de fato, testados uma semana mais tarde em relação aos que tiveram resultados positivos.
Os sintomas relatados foram diversos e abrangeram o trato respiratório e os sistemas neurológico, cardiovascular, gastrointestinal e vários outros.
Os dez principais sintomas, relatados por 70% ou mais dos entrevistados, incluíram falta de ar, aperto no peito, fadiga, calafrios ou suores, dores no corpo, tosse seca, “temperatura elevada” (37,1 ºC a 37,7 ºC), dor de cabeça e confusão mental/dificuldade de concentração.
Foi relatada fadiga extrema a ponto de impedir que a pessoa levantasse da cama, dor de cabeça intensa, febre (acima de 37,8 ºC) e perda do paladar ou olfato por 40% a 50% dos entrevistados. Setenta por cento (70%) apresentaram flutuações no tipo e 89% na intensidade dos sintomas ao longo do período sintomático. Alguns pacientes observaram que os sintomas voltaram ou se intensificaram com atividade física ou eram mais intensos à noite. Cerca de 70% estavam fisicamente em forma antes do início dos sintomas, mas 70% relataram ficar sedentários após o início dos sintomas.
Cerca de 10% dos entrevistados haviam se recuperado, em média, após cerca de 4 semanas. Os 90% que não haviam se recuperado apresentaram sintomas por 40 dias em média. Uma grande proporção dos entrevistados apresentou sintomas por 5 a 7 semanas. A chance de recuperação completa até o dia 50 foi estimada como sendo menor que 20%.
No entanto, resultados de pesquisas como esta estão sujeitos a viés. Os participantes das pesquisas podem diferir dos não participantes; por exemplo, pode ter havido viés de gênero, visto ser mais provável que mulheres participem de grupos de apoio e respondam pesquisas on-line; pacientes com doenças mais graves podem não ter sido capazes de responder ou não conseguir se lembrar dos eventos com precisão. As pesquisas on-line também podem ser direcionadas para entrevistados com status econômico mais elevado, mais jovens e com mais experiência com computadores e omitir minorias economicamente desfavorecidas, os sem-teto, aqueles que não têm banda larga e computadores, além daqueles que têm medo de responder, como imigrantes não documentados.
Desde a emissão de seu relatório, a equipe do Grupo de Suporte on-line da Body Politic para a COVID-19 se reuniu com a equipe dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças e da Organização Mundial da Saúde (16) e emitiu uma segunda pesquisa para preencher as lacunas do seu primeiro relatório: examinar os resultados dos testes de anticorpos, os sintomas neurológicos e o papel da saúde mental, além de aumentar a diversidade geográfica e demográfica (17).
Muitos “long-haulers” relatam que seus sintomas persistentes estão sendo minimizados. Dizem a essas pessoas que talvez elas estejam exagerando, imaginando ou até mesmo inventando essa doença capaz de alterar a vida. Atividades físicas simples, como levantar da cama, se arrumar, preparar refeições simples e tomar banho, podem ser exaustivas para algumas pessoas. Ser incapaz de cuidar de si e de suas famílias, ser incapaz de trabalhar e perder renda e, possivelmente, seguro de saúde oferecido pelo empregador, trazem encargos adicionais. Os planejadores da assistência à saúde e formuladores de políticas devem se preparar para atender às necessidades das muitas pessoas que foram afetadas por esta doença e suas famílias, enquanto os estudos em andamento investigam causas e maneiras de mitigar a síndrome pós-COVID.
Referências
1. Worldometer 2020 Acessado em 21 de setembro de 2020. https://www.worldometers.info/coronavirus/
2. Organização Mundial da Saúde: Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Genebra, OMS. 16 a 24 de fevereiro de 2020. Acessado em 21 de setembro de 2020. https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf
3. Jaffri A, Jaffri UA: Post-intensive care syndrome after COVID-19: A crisis after a crisis? Heart Lung 18 de junho de 2020. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7301100/
4. Moldofsky H. Patcai J: Chronic widespread musculoskeletal pain, fatigue, depression and disordered sleep in chronic post-SARS syndrome; a case-controlled study. BMC Neurol 11:1–7, 2011. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3071317/
5. Lam MHB, Wing YK, Yu MWM, et al: Mental morbidities and chronic fatigue in severe acute respiratory syndrome survivors: long-term follow-up. Arch Intern Med 169:2142-2147, 2009.https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20008700/
6. Katz BZ, Shiraishi Y, Mears CJ, et al: Chronic fatigue syndrome following infectious mononucleosis in adolescents: A prospective cohort study. Pediatrics 124: 189-193, 2009. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2756827/
7. Morroy G, Keijmel SP, Delsing CE, et al: Fatigue following acute Q fever: A systematic literature review. PloS One 11(5): e0155884, 2016. doi:10.1371/journal.pone.0155884 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4880326/
8. PREVAIL III Study Group, Sneller MC, Reilly C, et al: A longitudinal study of Ebola sequelae in Liberia. N Engl J Med 380(10):924-934, 2019. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30855742/
9. Centers for Disease Control and Prevention: Myalgic encephalomyelitis/Chronic fatigue syndrome: Possible causes. Atualizado em 12 de julho de 2018. Acessado em 22 de setembro de 2020. https://www.cdc.gov/me-cfs/about/possible-causes.html
10. Perrin R, Riste L, Hann M: Into the looking glass: Post-viral syndrome post COVID-19. [publicado on-line antes da impressão, 27 jun 2020]. Med Hypotheses 144:110055, 2020. doi:10.1016/j.mehy.2020.110055 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7320866/
11. Tenforde MW, Kim SS, Lindsell CJ, et al: Symptom duration and risk factors for delayed return to usual health among outpatients with COVID-19 in a multi-state health care systems network-United States, março a junho de 2020. MMWR 69:993-998, 31 de julho de 2020. https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6930e1.htm?s_cid=mm6930e1_e&deliveryName=USCDC_921-DM33740
12. Carfi A, Bernabei R, Landi F, et al: Persistent symptoms in patients after acute COVID-19. JAMA 324:603-605, 2020. https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2768351 https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32644129/
13. Patient-led Research for COVID-19: Report: What does Covid-19 recovery actually look like? 11 de maio de 2020. Acessado em 22 de setembro de 2020. https://patientresearchcovid19.com/research/report-1/
14.Krumholz HM: If you have coronavirus symptoms, assume you have the illness, even if you test negative. New York Times 1º de abril de 2020. Acessado em 22 de setembro de 2020. https://www.nytimes.com/2020/04/01/well/live/coronavirus-symptoms-tests-false-negative.html
15. Kucirka LM, Lauer SA, Laeyendecker O, et al: Variation in false-negative rate of reverse transcriptase polymerase chain reaction-based SARS-CoV-2 tests by time since exposure. Ann Intern Med 173:262-267, 2020. https://www.acpjournals.org/doi/10.7326/M20-1495
16. Collins F: Body Politic COVID-19 Support Group: Citizen scientists take on the challenge of long-haul COVID-19. NIH Director’s Blog 03 de setembro de 2020. Acessado em 22 de setembro de 2020. https://directorsblog.nih.gov/tag/body-politic-covid-19-support-group/
17. Akrami A, et al: Online survey on recovery from COVID-19 (survey 2). Patient-led research for Covid-19. Acessado em 22 de setembro de 2020. https://patientresearchcovid19.com/survey2/
Traduzido por Momento Saúde